Há cinco anos, Ju Lama coleciona histórias de mulheres. Sempre que alguma narrativa emociona a artista plástica, ela transcreve para um caderninho, em formato de microcontos. Apaixonada por quadrinhos e pela ideia de espalhar lambe-lambes pela cidade, Ju decidiu juntar tudo isso no projeto “Enquanto houver muros” – um dos 12 finalistas do Transborda Brasília – Prêmio de Arte Contemporânea, em cartaz até 7 de outubro, na Caixa Cultural.
“A ideia de unir essas linguagens veio com a vontade de contar essas histórias em um formato que atingisse diversas pessoas, refletindo em espaços públicos as vozes femininas que trazem. Colocar na rua, desfazer silêncios e unir essas histórias às várias vozes que já falam nos muros”, explica a artista, que deixou seus cartazes nas ruas de Ceilândia, Paranoá, Guará, Conic e Setor Comercial Sul.
O trabalho de Ju também está nos muros de Manaus e São Paulo, cidades onde vivem suas avós, figuras inspiradoras de várias histórias. “Elas têm vivências muito ricas e muita força em suas trajetórias. Elas não podiam ser esquecidas”.
Além das memórias das matriarcas, “Enquanto houver muros” traz narrativas sobre violências contra o corpo de mulheres, legalização do aborto, estratégias de sobrevivência, descoberta da sexualidade, desejo, gêneros não binários e afetos.
“Foi uma experiência interessante transpor a linguagem da rua para a galeria”, comenta Ju, que ainda concorre ao Prêmio Pesquisa, destinado a três dos 12 finalistas do Transborda Brasília.
O livro
Ser contemplada com um edital do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) para publicação em artes visuais permitiu transformar “Enquanto houver muros” em livro, que terá as páginas dos cartazes destacáveis exatamente para que não percam o formato inicial.
“Ele também une histórias que outras mulheres escreveram, exercendo na prática a coletividade, a sensação de que não estamos sós. Além de um registro, esse livro foi pensado como uma continuidade do projeto”, diz Ju Lama.
Produzir e colar os lambe-lambes nasceu na contramão do fluxo agitado da cidade. A artista chama a atenção para a curiosidade provocada pelas imagens e para leitura mais minuciosa e lenta que o trabalho exige do público.
“As fontes dos textos, por exemplo, não são muito usuais para dimensões urbanas, são pequenas e instigam uma atenção maior. Essa diferença das dimensões me fez pensar que o formato de publicação também seria possível para essas artes, incentivando que outras pessoas coloquem nas paredes e muros essas histórias”, comenta.
“Enquanto houver muros”, o livro, tem previsão de lançamento para as próximas semanas.
Carreira
Juliana Del Lama nasceu no Distrito Federal e tem 29 anos. Assina Ju Lama em seus trabalhos, desenha desde criança e aprendeu a fazer colagens lendo zines. É angoleira (joga capoeira Angola), estudou desenho industrial na Universidade de Brasília (UnB) e faz percussão popular na Escola de Música de Brasília.
Em 2017, a artista lançou o livro de quadrinhos “Historietas de Bicicleta”, sobre mulheres que andam de bicicleta pela cidade.