Foto: Strangalo Scopo

A curadoria da quinta edição do Fronteira Festival Internacional do Cinema Documentário e Experimental acaba de divulgar a seleção oficial.  A programação vai exibir 47 filmes de 21 países entre os dias 29 de agosto e 3 de setembro no Cine Brasília em duas mostras e uma sessão especial de encerramento. Esta edição do Fronteira recebeu 1021 inscrições de 47 países diferentes. Assinam a curadoria da refundação do festival no cerrado Ana Flávia Marú, Camilla Margarida, Henrique Borela, Juliane Peixoto, Marcela Borela e Rafael Castanheira Parrode. 

O Distrito Federal está representado por seis filmes na programação divulgada até o momento: cinco realizações na Mostra Cadmo e o Dragão, um programa de filmes do Centro-Oeste, este ano dedicado a realizadores do DF, e “Lubrina”, de Leonardo Hecht e Vinícius Fernandes, único filme do Distrito Federal selecionado para a mostra principal, Cineastas na Fronteira. O Festival terá como abertura uma estreia internacional, “Eu vejo a escuridão”, de Katherine Waugh e Fergus Daily (Irlanda) e será encerrado com “ANHELL 69”, do colombiano Theo Montoya. 

“Lubrina”, um trabalho de realizadores do DF selecionado para a mostra principal, revela essa fronteira entre o experimental e o documentário. A produção mostra a história de Joana, que viaja para o quilombo onde a sua avó nasceu. Sua chegada é marcada pela aparição de um nevoeiro. “Nossos mortos não morreram. Eles habitam entre os objetos e lugares que um dia tocaram e pisaram, nas águas em que se banharam, nas estradas que percorreram. Eles moram na névoa. A jornada física até o local onde a avó nasceu torna-se uma jornada mais profunda que atravessa a névoa e as lembranças”, compartilham os diretores Leonardo Hecht e Vinícius Fernandes.

Leonardo e Vinícius ainda comentam que receberam a notícia da seleção para o Fronteira com muito entusiasmo. “O filme estreou no 62o. FICCI [Festival Internacional de Cinema de Cartagena de Índias], na Colômbia, e essa vai ser a primeira sessão oficial no Brasil. Então, pra gente é bem especial: por ser no Centro-Oeste – região em que filmamos -, por ser na cidade onde a gente vive – numa sala especial como o Cine Brasília -, e na mostra principal do V Fronteira, festival que abre portas para experiências e percepções singulares no cinema”. 

DF em destaque 

A Mostra Cadmo e o Dragão apresenta um programa de filmes do Centro-Oeste, nesta edição, dedicada aos realizadores do DF. Participam dessa mostra “Paisagem em Chamas”, de Silvino Mendonça, que terá a sua estreia mundial no festival; “A Árvore”, de Ana Vaz, será a sua estreia no Brasil; “Cemitério Verde”, de Maurício Chades; “Luta pela Terra”, de Camilla Shinoda e Tiago de Aragão e “Vermelho Bruto”, de Amanda Devulsky. 

Marcela Borela, professora do Instituto Federal de Brasília, curadora e uma das diretoras artísticas do festival, explica que o nome da mostra nasce de uma licença imaginária que vem da profecia do antropólogo Claude Lévi-Strauss em Tristes Trópicos (1957). “Ele tem essa fala no livro sobre o espanto vivido em sua passagem pelo centro oeste brasileiro em 1937, quando Goiânia estava sendo construída, ela que seria seguida por Brasília, ele diz: ‘sentíamo-nos ali como numa estação ou num hospital, sempre passageiros e jamais residentes, somente o terror de um cataclisma poderia justificar essa casamata. produziu-se um, com efeito, cuja ameaça se prolongava no silêncio e na impossibilidade reinantes. Cadmus, o civilizador, tinha semeado os dentes do dragão. Numa terra esfolada pelo hálito do monstro, esperava-se que nascessem homens’. Então Cadmo e Brasília têm essa relação possível, Cadmo é o civilizador. O Dragão somos nós.”

Pedro B. Garcia, produtor e diretor assistente de “Vermelho Bruto”, vê essa mostra como um dos caminhos mais instigantes do filme. “Exibir o filme onde ele foi realizado e a maior parte das imagens foram produzidas traz uma dimensão diferente das outras sessões. De estar num contato direto entre a tela e o que está ali do lado de fora da sala de cinema”. Ele ainda comenta o significado de participar desse festival. “O Fronteira sempre foi um festival que eu aguardava muito. Antes eu pegava  a estrada para poder ir ver as sessões como espectador em Goiânia. Agora acontecendo aqui no DF traz uma abertura para outros cinemas no circuito da cidade. Um festival mais aberto ao risco e a experimentação que sinto que faltava por aqui”, compartilha.

Juliane Peixoto, que também assina a curadoria e direção artística do festival e é professora do Instituto Federal de Brasília, comenta que essa mostra é um processo de entender não só o DF, mas como o DF opera dentro do Centro-Oeste. “Existe de algum jeito um entendimento desse território que se inscreve tanto nos filmes da Cadmo quanto no Lubrina, que é do DF mas foi filmado em Goiás, e faz sua estreia no Brasil, aqui, com a gente na mostra cineastas na fronteira. Terra, demarcação, fronteira, atravessamentos e relações entre território e ancestralidade, tudo isso está nos filmes e trazem uma reflexão sobre o que é essa extensão, lugar, que pode ser chamado também Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno [RIDE]”, reflete.

Cerrado

Nesta edição, o Fronteira, que teve quatro edições em Goiânia, atravessa os limites das linhas inscritas dentro do território goiano e chega pela primeira vez ao Distrito Federal. Borela, que mora no DF há 4 anos, recupera a ideia de Luiz Sérgio Duarte da Silva, na obra “Brasília: modernidade e periferia”, de que Goiânia e Brasília são consideradas “Cidades Novas de Fronteira”. Este tipo de cidade, explica a professora, foi construída no “meio do nada” como obra do estado nacional para ocupar o território e modernizar o país. “Ambas são “cidades planejadas” mas com inventores diferentes em momentos diferentes. Goiânia é filha da Revolução de 1930, imaginada e construída por Vargas. Ela é sinal da derrota das oligarquias rurais da antiga capital Goiás Velho, em virtude da subida da burguesia liberal local. Já Brasília é ao mesmo tempo que o aprofundamento da fronteira agrícola ao norte, o maior acontecimento civilizatório do oeste, com toda sua densidade colonizadora”,  diz Marcela, aproximando as duas cidades na mesma fronteira. 

Novidades

Alguns elementos da programação assumem novas nuances nesta edição do festival. Não há mais separação em curtas, médias e longas e não há mais uma indexação dos filmes como documentários, experimentais ou ficções. “Isso é algo como recomeçar e refundar os pactos, inclusive com o público. Também muda o fato de não haver mais mostras competitivas e haverem destaques possíveis aos filmes contemporâneos criados por um júri que trabalhará sem nomenclaturas pré-estabelecidas. Assim temos a nova mostra principal do festival, que é chamada Cineastas na Fronteira, com filmes produzidos exclusivamente no último ano em várias partes do mundo, na maioria inéditos no Brasil”, comenta Marcela.

Esta edição do Fronteira acontece depois de três anos marcados por uma pandemia e uma crise de políticas públicas e da indústria cultural no país. Juliane Peixoto sublinha a importância do festival neste contexto. “Vivemos esses anos terríveis de ascensão da extrema direita. De golpe, de pandemia, de genocídio, de desarticulação total das políticas culturais. E a fronteira se refunda no momento em que se abre um respiro possível, um lugar possível no tempo e no espaço”. Em 2023, Fronteira é uma co-produção Júpiter Filmes e Barroca Filmes e realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (Fac-DF). 

Serviço:

V Fronteira Festival divulga filmes selecionados

Evento: 29 de agosto a 3 de setembro

Cine Brasília, SQS 106, Brasília-DF

Lista de filmes selecionados no site www.fronteirafestival.com

Instagram: instagram.com/fronteirafestival